Dois grupos de jovens de idade semelhante, todos homens, pobres e criados na mesma região. Um grupo vira matador e o outro, trabalhador. Por quê?
O sociólogo Marcos Rolim procurou essa resposta ao investigar a violência extrema, aquela que mata ou fere mesmo quando não há provocação nem reação da vítima. Modalidade que, acredita ele, está em alta no Brasil.
Em experimento inédito no país, ele entrevistou um grupo de jovens violentos de 16 a 20 anos que cumpriam pena na Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo) do Rio Grande do Sul. Ao final, pediu que indicassem um colega de infância sem ligação com o crime e foi atrás dessas histórias.
Rolim esperava que prevalecessem, no grupo dos matadores, relatos de violência familiar e uso de drogas, mas outro fator se destacou: a evasão escolar (quando o aluno deixa de frequentar a escola). E, aliado a isso, a aproximação com grupos armados que "treinam" esses jovens a serem violentos. Entre os que cumpriam pena, todos, sem exceção, tinham largado a escola entre 11 e 12 anos. E citavam motivos banais: são "burros" e não conseguem aprender, a escola é "chata", o sapato furado era motivo de chacota. Os colegas de infância continuavam estudando.
Ao comparar esses e outros casos (111 ao todo), incluindo dois grupos de presos jovens do Presídio Central de Porto Alegre, uns condenados por homicídio e outros por receptação, e alunos de uma escola de periferia sem histórico criminal, concluiu que o chamado "treinamento violento" respondeu por 54% da disposição para a violência extrema.
Em outras palavras, isso significa que sem a experiência do "treinamento violento" - aquela que ensina a manusear armas, bater antes de apanhar e exalta atos de violência - a disposição para esses crimes extremos cairia para menos da metade nos casos analisados.
As conclusões de Rolim, ex-vereador, deputado estadual e federal, estão no livro recém-lançado A Formação de Jovens Violentos - Estudo sobre a Etiologia da Violência Extrema (editora Appris).
"Muitos meninos que se afastam da escola são, de fato, recrutados pelo tráfico de drogas e são socializados de forma perversa. E isso provavelmente deverá se repetir se a pesquisa for reproduzida em outros locais, pois a diferença estatística foi muito forte", diz Rolim à BBC Brasil.
A conclusão prática, segundo o sociólogo, é que a prevenção da criminalidade deve levar em conta a redução da evasão escolar, aspecto que costuma ser negligenciado no Brasil quando o assunto é segurança pública.
Considerados os índices de evasão escolar, o cenário no Brasil seria, de fato, favorável à violência extrema.
Em 2013, por exemplo, uma pesquisa do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostrou que um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no país abandona a escola antes de completar a última série.
O Brasil figurava no estudo com a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países de maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), atrás apenas da Bósnia e Herzegovina e do arquipélago de São Cristóvão e Névis.
Família como dor
Outra característica comum aos jovens internados por delitos de grave violência era a vida "independente" da família logo no começo da adolescência. "Às vezes porque o que havia de família era tão confuso ou violento que era preciso mesmo inventar um rumo; outras, porque era preciso se afastar para proteger seus familiares", escreve Rolim.
Um dos jovens entrevistados, identificado apenas como Aírton, descreveu a saída de casa como consequência natural do envolvimento com o tráfico. "Moro sozinho desde os 13 anos. Nesta idade já alugava minha casa. Eu morava com minha mãe, mas meu pai nunca aceitou que eu fosse do crime. Por isso, optei por sair de casa para não viver neste confronto", afirma ao pesquisador.
Os internos da Fase também relataram histórico de problemas familiares sérios. Com duas exceções em 17 entrevistas, "não há qualquer relação afetuosa ou de admiração pelos pais digna de menção", diz Rolim, para quem a violência foi "uma experiencia anterior ao crime para quase todos".
"De alguma maneira, os jovens vivenciaram dinâmicas de agressão física, desrespeito e injustiça entre seus familiares em ambientes de hostilidade e tensionamento prolongado", anota o autor.
Rolim conclui, no entanto, que a convivência familiar não foi um fator decisivo na disposição dos jovens a cometer violência extrema. "Ao contrário do que eu imaginava, jovens extremamente violentos podem vir de famílias bem e mal estruturadas", diz.
Razões da evasão
E por que as escolas não conseguem manter esses jovens na escola?
Embora o assunto não tenha sido foco da pesquisa, Rolim arrisca algumas possíveis explicações, a partir do contato com colegas que desenvolvem pesquisas em instituições de ensino.
A primeira, diz, é o despreparo de professores para lidar com alunos mais vulneráveis e problemáticos. “O jovem de área de exclusão, que nunca abriu um livro e tem pai analfabeto, tem toda uma diferença de preparação, e grande parte dos professores não está preparada para lidar com ele", afirma
Fonte: Thiago Guimarães - @thiaguima
Da BBC Brasil, em São Paulo